20.5 C
Brasília
- PUBLICIDADE -
InícioSem categoriaCláudia Mannvier Desafia o Olhar do Cinema Brasileiro

Cláudia Mannvier Desafia o Olhar do Cinema Brasileiro

Publicado em

“Eu não aceito a estética sofrida. Não se trata de tentar ‘reparar’ a imagem usando o mesmo enquadramento histórico de sombras pesadas e dor crua; pelo contrário, eu coloco essas mulheres em luz, em marco, em grandeza consciente,” afirma Mannvier, definindo o cerne de sua “Desconstrução da Estética”.

O cinema brasileiro está à beira de um terremoto estético e narrativo. Em fase de pré-produção, o projeto Eco das Rainhas, dirigido por Cláudia Mannvier, promete redefinir a representação da mulher negra na tela. Longe da “estética sofrida” e dos clichês do trauma, o filme se propõe a ser um mosaico híbrido de documentário e dramatização poética, focado na potência e na realeza cotidiana.

A diretora Cláudia Mannvier desvendou os pilares conceituais e éticos que sustentam sua visão inegociável: filmar a vida dessas mulheres a partir de sua força, e não de suas feridas.

Desconstruindo a Dor: Um Novo Mandato Visual

Cláudia Mannvier é categórica ao definir o mandato de Eco das Rainhas: “Não repetir nada do que já foi feito, ou pelo menos tentar ativamente.” A missão da diretora é clara: romper com a lógica de séculos de representação que reduziu a mulher negra a um “caso social” ou a uma figura de dor.

“Eu não aceito a estética sofrida. Não se trata de tentar ‘reparar’ a imagem usando o mesmo enquadramento histórico de sombras pesadas e dor crua; pelo contrário, eu coloco essas mulheres em luz, em marco, em grandeza consciente,” afirma Mannvier, definindo o cerne de sua “Desconstrução da Estética”.

Para ela, o foco narrativo não parte do trauma, mas do que a mulher fez com esse trauma. “Eu não filmo as feridas; eu filmo o que elas fizeram com essas feridas. No meu cinema, a mulher negra não é um ‘caso social’, mas sim uma personagem completa, com potência e presença inquestionáveis. Minhas Rainhas existem para além da raça, sem, contudo, ignorá-la.”

O título, segundo a cineasta, reflete a missão: “Rainha não é sobre coroa ou glamour; é sobre resistência diária. É a mulher que permanece, mesmo quando o sistema foi desenhado para impedi-la de permanecer. A coroa que este filme mostra é interna.”

A Linguagem da Realeza Cotidiana

O coração do projeto reside na fusão de linguagens: documentário e dramatização poética. O desafio conceitual está sendo lapidado na pré-produção, que Cláudia descreve como um intenso processo de pesquisa, curadoria e alinhamento visual.

“A ficção não pode exagerar; o documentário não pode engessar,” pontua a diretora. Seu plano de direção e fotografia é um manifesto contra os clichês visuais.

“Abandonamos a paleta que sempre oprimiu corpos negros – sombras excessivas, cenários decadentes. A estética de Eco das Rainhas parte da luz, que abraça e não apaga, e de enquadramentos que ampliam, não diminuem.”

A estética se apoia em três pilares: Majestade Cotidiana (planos que elevam a postura e presença), Cor como Narrativa Emocional (paleta própria para dialogar com fases da vida) e uma Câmera que Acompanha, Não Julga (movimentos suaves que transmitem respeito, não voyeurismo). “Eu não documento dor; eu documento poder. Eu não filmo vítimas; eu filmo sobreviventes,” resume.

Ética e Escuta: O Rigor da Pesquisa

Em um mosaico de experiências que lida com temas delicados, o processo de pesquisa é a espinha dorsal. A curadoria das histórias é guiada por um filtro ético inegociável, resumido em três perguntas: “Essa história fortalece ou explora? Essa mulher está pronta para narrar o que viveu? O filme tem algo a oferecer a ela além do registro?”

O protocolo ético é rigoroso, especialmente na preparação das mulheres que recontarão suas próprias vidas. “Nenhuma mulher entra no processo sem antes passar por uma triagem com uma psicóloga, que avalia gatilhos e limites,” revela Mannvier. Esse cuidado garante que a participante seja ouvida e respeitada, sem exposição ou pressão

A diretora enfatiza que sua equipe passa por orientação de sensibilidade e escuta ativa. “Eu não trabalho com trauma como matéria-prima; eu trabalho com vida.”

O DF como Palco e Identidade

Escolher o Distrito Federal como cenário adiciona uma dimensão especial ao filme. Para Mannvier, o DF não é apenas um pano de fundo, mas parte da identidade da obra.

“O contraste entre a cidade programada [o Plano Piloto] e a cidade vivida sempre me chamou atenção,” ela explica. “Ao filmar aqui, eu quero unir essas duas dimensões: a beleza arquitetônica que todos conhecem e o DF real que o mundo ainda não conhece o suficiente.” A capital, com sua força cultural e seus talentos locais, torna-se um personagem que amplia a potência dessas narrativas.

Ao final, o legado desejado por Cláudia Mannvier é um “deslocamento real no olhar do público”. Ela deseja que Eco das Rainhas provoque um despertar de consciência. “Quero que as pessoas enxerguem mulheres negras como protagonistas completas, complexas e profundamente humanas — não como recortes de dor. Que o filme não seja um ponto final, mas um início que abra portas para novas narrativas e novos olhares.”

O cinema brasileiro aguarda, de olhos atentos, o momento em que a força dessas rainhas ecoará.

Texto: Paula Rocha

Comentários

- PUBLICIDADE -

Últimas notícias

- PUBLICIDADE -

Você pode gostar