No fundo do quintal, o rio poluído. Na porta de casa, a poeira das ruas de terra. No corpo, feridas na pele, náuseas, dores de cabeça e outros problemas de saúde. A situação da comunidade da Cerâmica foi verificada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Rio Melchior, em visita técnica realizada neste sábado (6).
A comunidade localiza-se na região administrativa do Sol Nascente e fica às margens do Rio Melchior, classificado como impróprio para contato humano. Esta população rural reside há décadas sem infraestrutura de acesso à água potável e utiliza principalmente poços artesianos. Durante a diligência da CPI que investiga a poluição do rio, a comunidade falou sobre complicações de saúde e dificuldades estruturais, como a ausência de água encanada e de asfaltamento nas ruas.
A moradora Ana Lúcia Rodrigues mora há mais de 50 anos no local. Ela listou vários sintomas que a afetaram nos últimos anos. “Dor de barriga, vômito, dor de cabeça e ultimamente é isso de cair os cabelos. Eu não vou ficar sem lavar os meus cabelos”, disse. Em lágrimas, ela abriu as mexas de cabelo para revelar diversas erupções no couro cabeludo. Ana Lúcia lembra de um passado com o rio limpo: “Nós tomávamos banho, nós cozinhávamos, nós bebíamos a água”.
A professora Walquíria Ramos leciona na Escola Classe da Guariroba, que atende estudantes da comunidade. “As crianças costumam adoecer muito. Elas ficam com náuseas, dor de cabeça, moleza no corpo, problemas de pele, micose, falta de ar, entre outras questões”, contou a professora. Walquíria relatou que, sem opções de lazer, crianças acabam indo brincar no rio — que é enquadrado como classe 4, a pior categoria em termos de qualidade da água. A dificuldade para obter água potável também faz com que “muitas vezes a população tome água da onde não deveria”, lamenta.

“O seu depoimento foi justamente o que eu vi”, concordou a deputada distrital Paula Belmonte (Cidadania), presidente da CPI. Ela disse que, há dois anos, visitou essa mesma comunidade, fato que se tornou um dos principais motivadores da investigação. “Eu cheguei aqui, as crianças estavam com erupções na pele, muita dor de cabeça, pessoas perdendo o cabelo, crianças com os dentes cariados. A nossa suspeita é da água que estão bebendo. A partir daquele momento, pedimos para a Caesb instalar uma caixa d’água”, lembrou a parlamentar.
“Nós estamos preocupados com a poluição desse rio no percurso do Distrito Federal, e principalmente com essa comunidade que é diretamente atingida e que já tem reflexo na saúde”, afirmou a deputada.

Reabastecimento da caixa d’água
A caixa d’água foi instalada há cerca de dois anos, mas houve problemas no abastecimento. Por se tratar de uma área rural, a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) informou que a responsabilidade seria da Secretaria de Agricultura. A caixa acabou ficando sem água, até que, no final de agosto, a Caesb realizou a limpeza e o abastecimento. A deputada considerou que a medida é “o primeiro resultado da CPI” e agradeceu o empenho da Caesb em resolver o caso. A companhia se comprometeu a reabastecer a caixa todas as segundas-feiras.
A caixa é uma forma de minimizar emergencialmente o problema da população. Mas muitos sequer conseguem chegar ao local para buscar água, principalmente idosos com dificuldades de locomoção. “Isso é um paliativo. Nós temos cobrado o governo do Estado por água definitiva, água encanada para essa comunidade”, afirmou Alzirenio Carvalho, ativista do Movimento Salve o Rio Melchior. Ele mora no setor Pôr do Sol, em local há cerca de 400 metros do rio.
Alzirenio cobrou o engajamento dos parlamentares na CPI, que possui cinco membros e cinco suplentes. “Nós temos dez deputados que são os responsáveis pelo andamento dessa CPI. Hoje nós só temos uma deputada aqui. Cadê os suplentes? Falta justificada é quando você põe o suplente para assumir”, analisou. A visita técnica foi realizada pela presidente da CPI, deputada Paula Belmonte, e pelo corpo técnico da Câmara Legislativa do Distrito Federal. O deputado Gabriel Magno enviou o assessor Hudson Rodrigues como representante.
Comunidade ameaçada
Pessoas que conversaram com a CPI disseram que a comunidade estava com medo de se pronunciar, por temerem represálias, principalmente por residirem em condições irregulares e vulneráveis. “A gente sabe que era para ter muito mais pessoas aqui [dando depoimento para a CPI]. São muito mais moradores. E alguns não estão, porque eles estão com medo. É uma das retaliações que a comunidade está sofrendo. Já nos relataram isso”, denunciou o presidente do Movimento Salve o Rio Melchior, Newton Vieira.
A professora Walquíria fez um relato semelhante: “Eu sei que muitos aqui estão sendo ameaçados. Eu chamei alguns pais de alunos meus, pessoas que eu confio, e eles falaram, ‘professora, eu não posso’. ‘Professora, a gente está sendo coagido, a gente tem medo’”.
Fonte: Agência CLDF