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Audiência sobre o feminicídio alerta para mudança de mentalidade e diálogo sobre gênero

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Audiência pública da Câmara Legislativa que discutiu a temática “da violência de gênero ao feminicídio”, realizada nesta terça-feira (29), destacou a conscientização, desde a escola, sobre respeito aos gêneros, e melhores investimentos e ações governamentais em prol da luta de violência contra a mulher. 

A presidente da audiência, deputada Dayse Amarílio (PSB), testemunhou que sofreu a realidade da agressão doméstica e que essa realidade se repete com inúmeras outras mulheres por falta de conhecimento e consciência social.

“Juntamente com os meus irmãos, a gente superou a diversidade graças a nossa união, busca pelo conhecimento e a consciência social que a gente desenvolveu. Foi assim que eu me tornei mulher, mãe, esposa, professora e enfermeira que hoje eu posso ser voz e representação a todas essas mulheres, filhos e famílias que enfrentam o mesmo sofrimento que eu vivenciei”, afirmou a deputada Dayse.

A parlamentar explicou que, em sua visão, o diálogo para combater o feminicídio deve acontecer em todas as esferas da vida, o que envolve conversas sobre gênero nas escola e a campanhas na sociedade.

“Esses casos implicam em falar sobre isso nas escolas, falar da entrada das mulheres no mercado de trabalho, incentivar a participação delas na política e respeitar os direitos das escolhas individuais de todas as mulheres. Somente neste ano no Distrito Federal nós já contabilizamos 25 feminicídios que significam 25 histórias interrompidas e 25 famílias destroçadas.”

 

A deputada também citou o machismo enraizado que se evidencia em diferentes ações e interações da sociedade e a necessidade de investimentos mais precisos por parte do poder jurídico: “Pequenas frases aparentemente inofensivas como ‘você parece que tá muito estressada, tá na TPM’, ‘algumas mulheres parecem que pedem para ser traídas’, podem matar. De 2019 a julho de 2023, o DF alocou R$ 32,4 milhões para a políticas públicas destinadas às mulheres, mas só executou R$ 9 milhões. Dentro do valor anual do orçamento da capital, de R$ 57 bilhões, isso some.”

Em sua passagem pela audiência, o deputado Fábio Félix (Psol) disse que, na maioria dos casos, havia um homem e que é preciso a discussão na sociedade sobre qual tipo de masculinidade se está criando. “Que masculinidade é essa que só aprende pela violência, que exalta a arma, que é treinada para dominação e que não chora e nem respira afeto. Para se criar um ambiente de prevenção e proteção, discutir a masculinidade vai ser fundamental para esse processo”, afirmou o distrital.

A representante do Ministério das Mulheres, Pagu Rodrigues, alertou que os casos de feminicídio não cresceram só no DF, mas no Brasil. Para ela, parte desse aumento está na ausência efetiva de uma política de investimentos: “No governo Dilma, tinha um orçamento de R$ 527 milhões em política para as mulheres e o que foi deixado pelo governo Bolsonaro foram meros R$ 23 milhões. Não dá para debater reeducação de feminicídio com orçamento federal de R$ 23 milhões destinados à política para mulheres. Uma das primeiras coisas que a gente tem feito é a recomposição, em âmbito Federal, do orçamento para políticas para as mulheres” 

Para Pagu Rodrigues, outro fator que auxiliaria na redução dos casos é a mudança de pensamento cultural, reduzindo a violência parlamentar contra mulheres, discutindo nas escolas os tipos de violência e ampliando ações para a Lei Maria da Penha. “A gente já teve uma revisão curricular sobre tudo que toca essa perspectiva de gênero, mas o que a gente vê acontecer nos últimos anos foi um grande retrocesso em inúmeras casas legislativas. Todos os planos de educação que tratavam da questão de gênero foram derrubados, fora os inúmeros casos de parlamentares que  sofreram violência política de gênero”.

Pesquisas 

Thiago Pierobom, promotor de justiça do Ministério Público (MP) do DF e Territórios, apresentou o relatório da pesquisa do MP que investigou os casos de feminicídio entre 2016 e 2017. Das 34 ocorrências daquele ano, o promotor notou que, em síntese, a questão de gênero e raça está ligada aos casos; “Quando a gente fala sobre discutir gênero nas escolas, não é induzir a nossas criancinhas a terem essa ou aquela orientação sexual, mas educar e conscientizar para que haja respeito nas relações entre homens e mulheres, já que 100% dos feminicídios são causados pela discriminação de gênero”. 

O promotor também evidenciou na pesquisa que em todos os casos de feminicídio já havia um histórico de outras violências, porém em poucos casos houve busca por ajuda. Além disso, o documento também mostra que a questão de migração está ligada a maioria dos casos de feminicídio.

“Só 23,5% dos casos a mulher tinha registrado uma ocorrência contra aquele ofensor e muitas delas não estão registrando ocorrência porque não acreditam na efetividade do sistema, então é preciso incentivar mais essas campanhas. Na maioria dos casos, os agressores eram migrantes, 70%, e isso se deve porque essas mulheres vêm para cá sem rede de apoio, familiares e situação social mais precária ou baixo nível informacional.” 

Parceira da pesquisa de Thiago, Marcela Medeiros, psicóloga do Centro de Especialidade para Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual, Familiar e Doméstica (CEPAV/SES) diz que dentre os fatores de risco, que antecipam um possível caso de violência, a agressão física não foi o fator de risco mais presente. “Para nossa surpresa, a violência psicológica foi aquela que esteve mais frequente, em 73% dos casos, como exemplo de ciúme excessivo, controle e perseguição que são manifestações da violência psicológica. Precisamos pensar na gestão dos fatores de risco, e pensar numa estratégia adequada para cada caso e aos diferentes tipos de violência”. 

Marcela também citou as consequências para a saúde mental de quem vivenciou os casos de feminicídio, principalmente familiares: “Feminicídio não mata só a vítima, mata a mulher, a família, os filhos, mata as relações. A maior parte dos casos ocorreu na frente dos familiares, e quem assiste também é vítima e precisa receber atenção nos serviços. Outra questão preocupante é a de que a perda do genitor (preso pelo assassinato) causa até depressão, além das várias falhas da forma como a justiça maneja os casos e expõem vítimas”, complementou. 

Casos

Jiulia Campos, usuária da rede de proteção às mulheres do DF, contou que foi vítima de violência doméstica e denunciou o ex-companheiro quando o viu agredir a filha do casal. Para ela, os dispositivos para auxiliar os casos de feminicídio são eficazes, mas pouco profissionalizados. “Existem os dispositivos, mas são manuseados por pessoas que estão inseridas dentro do machismo e enquanto essas pessoas também não estiverem dispostas a se reeducarem para atender e acolher as vítimas de violência doméstica a gente vai estar fazendo um trabalho de estar ‘enxugando gelo’. É preciso ação das mulheres, mas também dos homens em prol da causa.” 

Érika Tayna, bombeira militar e pesquisadora na área de violência doméstica, prestou depoimento relatando o caso da tia, Isabel Aparecida Guimarães de Souza, com 37 anos, morta a tiros na frente da filha. “Nós carregamos agora uma ferida que vem estampada com por quê? por que ela? por que na frente da filha? por que a justiça demora tanto? O que nós buscamos é agilidade por uma pena justa e por direitos para uma criança que vai passar a vida inteira sem a mãe. O feminicídio merece um olhar de proteção e prevenção intersetorial e multidisciplinar. Parem de nos matar.”

Poliana Machado, Socióloga e membro da rede ELAS, explicou que com as falas da audiência se tem um diagnóstico das falhas e alternativa para suprir lacunas. Poliana explica que a rede ELAS têm objetivo de prestar serviço integralizado da violência contra a mulher. “Nós temos que agir em conjunto e articulado envolvendo judiciário, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação. É um trabalho de formiguinha, contando com pessoas que se interessam pelo assunto, dentro de órgãos de assistência social, para ajudar na construção de um fluxo em que as mulheres não tenham mais medo de estar nos serviços públicos”. 

Ações governamentais 

Andréia Soares, supervisora do Núcleo Judiciário da Mulher do Tribunal de Justiça do DF e Territórios, defendeu que as medidas protetivas são eficazes e reiterou que, devido à atualização da Lei Maria da Penha, a denúncia não necessita de provas, mas é preciso que a mulher se mobilize para falar.  “Trouxe um dado do Fórum de Segurança Pública que 45% das mulheres que sofrem violência doméstica infelizmente não fizeram nada e esse é um apelo que eu faço aqui para todo mundo: estar atento aos sinais de violência e assim, como sociedade, oferecer apoio, oferecer acolhimento e encaminhamento dessas situações de violência”.

Andréia também citou as medidas protetivas , como o Provid (serviço da PM) e o uso da tornozeleira eletrônica nos agressores, além das casas de abrigo e delegacia da mulher. Também foi destacou o descumprimento da medida protetiva, que se torna crime, com pena de até três anos de cadeia.  “Esses casos provém do puro machismo e misoginia. Se a sociedade precisa de uma resposta mais enérgica, precisamos também de uma reforma legislativa, pois os juízes ficam condicionados ao que está lá”, concluiu.

Alexandre Rabelo Patury, secretário executivo de Segurança Pública, contou que, dos 25 feminicídios no DF em agosto, 22 assassinatos estão presos e três mortos, porém o número é preocupante pelo número de casos. Para ele, a segurança pública não é só dever do Estado, mas responsabilidade de todos como sociedade. “Como disse aqui os deputados da Casa, Fábio Félix e Max Maciel (Psol), a gente tem que encarar o feminicídio como uma guerra. É inaceitável uma piada sem graça, a gente tem que encarar como se fosse um combate ao racismo, como se fosse o combate a Homofobia. Precisamos de uma reengenharia social”.

Por fim, Gisele Ferreira, secretária executiva da Secretaria da Mulher do DF, trouxe ações do poder judiciário no combate ao feminicídio. Para ela, é preciso mudar a mentalidade da sociedade: “Estamos com vários projetos levando a Lei Maria da Penha a Escolas e Igrejas. Homem chora, mulher joga futebol. A mulher termina relacionamento sim e o homem tem que entender. Fizemos aqui a campanha ‘a denúncia salva’. Por que alguns ligam para a polícia por causa de som alto, mas não ligam para polícia se uma mulher tá sendo agredida? Mulheres, acreditem na nossa segurança pública e só assim nós vamos mudar esses índices”.

Fonte: Agência CLDF

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