Tradicionalmente associado ao deslocamento internacional, o tráfico de pessoas encontrou na Internet um ambiente propício para se difundir sem alarde no interior dos lares. Esse foi um dos alertas levantados em audiência pública realizada nesta segunda-feira (18) na Câmara Legislativa. Com enfoque na ótica de gênero, o evento capitaneado pela distrital Dayse Amarilio (PSB) nasceu de uma sugestão de Lúcia Bessa, presidente do Instituto Viva Mulher, Direitos e Cidadania. Uma série de desdobramentos foi sugerida na reunião, como elaborar um projeto de lei focado no tema; fortalecer as políticas públicas, inclusive com destinação de orçamento; e potencializar as ações de combate e de conscientização.
O artigo 149-A do Código Penal tipifica o crime como agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa — mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso — com a finalidade de remover partes do corpo; e de submeter a trabalho análogo à escravidão, a qualquer tipo de servidão, à adoção ilegal, ou à exploração sexual.
Autor do livro Tráfico de Mulheres (fonte de Gloria Perez para a novela Salve Jorge), o professor e mestre em direito das relações internacionais Hédel de Andrade Torres traçou um panorama do problema: se em 2012 as vítimas eram aliciadas em boates, festas e shoppings; atualmente o aliciamento se dissemina, sobretudo, no ambiente digital, com promessas de realização de sonhos e de recompensas financeiras.
“Hoje temos novos modus operandi e novas finalidades que a legislação não tem conseguido acompanhar”, explicou Marina Bernardes de Almeida, coordenadora-geral do Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Contrabando de Imigrantes do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A gestora referiu-se à prisão recente de influenciador Hytalo Santos por agenciar crianças para exploração sexual na internet como uma das novas facetas do crime. Nesse cenário, crianças e adolescentes podem ser agredidas dentro das próprias casa, via aparelhos eletrônicos.
“Onde a vulnerabilidade está mais acirrada, o tráfico ocorre em maior escala, mas existe em todas as camadas sociais”, explicou Hédel Torres. “Precisamos multiplicar as informações para que o tráfico de pessoas seja devidamente enfrentado e não só informado”, completou o especialista.
A deputada Dayse Amarilio informou que 80% das vítimas são mulheres e que a faixa etária mais comum circula entre 10 e 29 anos. A parlamentar ainda diagnosticou que o medo de denunciar perpetua o ciclo de silêncio que dificulta o combate a essa violência.

“A invisibilidade do tema é proporcional à importância, à gravidade e aos danos que o crime causa na mulher”, apontou Lúcia Bessa, que chamou atenção para a rede de proteção contra esse crime. No âmbito nacional, Marina Bernardes de Almeida detalhou que a política para o tema já ultrapassou 20 anos e se organiza com compartilhamento de responsabilidades entre estados, municípios, sociedade civil, Distrito Federal, e sistema de Justiça.
Já no âmbito local, existe o Comitê Distrital de Enfrentamento ao Tráfico de Seres Humanos. O coletivo reúne-se todo mês para pensar em ações e executar políticas previstas no decreto distrital 36.178 de 2014. Palestras, sensibilização de crianças pela contação de histórias; e capacitações integram as medidas de combate, informou Eliane Alves da Silva, gerente de enfrentamento ao tráfico de pessoas e apoio ao imigrante da Secretaria de Justiça e Cidadania do DF.
Para o secretário executivo da Secretaria de Segurança Pública do DF, Alexandre Patury, a tríade vulnerabilidade, ignorância e interesse econômico explica o crime, um dos mais rentáveis sinalizados em relatórios internacionais. Os números revelam movimentações de US$ 32 bilhões por ano em todo o mundo. “Enquanto houver o cruzamento de interesse com necessidade, não se resolve o problema. Segurança Pública se resolve, também, com educação e oportunidade”, resumiu.
Fonte: Agência CLDF