Do pioneirismo à excelência: conheça o histórico das políticas públicas para o ensino para superdotados no DF
Por Giordano Bazzo, Ascom/SEEDF
Em uma sala de aula do Centro de Ensino Fundamental (CEF) 08 de Sobradinho, uma aluna do quarto ano demonstrava uma curiosidade e uma capacidade de aprendizado que impressionava a todos. Lorrane Tintino da Silva Santos era essa menina. Sua professora, percebendo seu potencial em Matemática e Ciências, indicou a estudante para um programa de altas habilidades.
A Sala de Recursos se tornou um ambiente de descobertas por dez anos, até Lorrane se formar no ensino médio. Lá, ela participava de atividades desafiadoras, que estimulavam sua criatividade e seu raciocínio lógico, desenvolvendo habilidades que transformaram a sua vida.
Lorrane, que hoje é professora de Matemática no próprio CEF 08 de Sobradinho, escola referência no ensino para crianças e adolescentes com Altas Habilidades ou Superdotação (AH/SD) no Distrito Federal, relembra que a Sala de Recursos foi fundamental para sua trajetória: “Ela me abriu um mundo de possibilidades que eu nunca imaginava. Como uma mulher negra da periferia, participar de feiras de ciências e congressos foi transformador. Os professores me inspiraram tanto que, hoje, sou professora de matemática na mesma escola onde tudo começou,” refletiu.
Foi visando promover a inclusão e o desenvolvimento desses talentos que, em 2014, o Distrito Federal instituiu 11 de novembro como o Dia da Pessoa com AH/SD. A data busca conscientizar a família, a escola e a comunidade sobre as características únicas desses indivíduos e os desafios que enfrentam.
A Secretaria de Educação do DF (SEEDF) aproveita a ocasião para publicar uma série de reportagens, a fim de celebrar a história e os avanços do ensino para estudantes com AH/SD na rede pública.
O Ministério da Educação (MEC) define os estudantes com AH/SD como aqueles que demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, isoladas ou combinadas, além de potencial criativo, envolvimento na aprendizagem e na realização de tarefas em áreas de seu interesse.
Na SEEDF, para identificação dos estudantes com altas habilidades/superdotação e para o atendimento especializado a esses estudantes, é adotado A Teoria em Quatro Partes de Joseph Renzulli, composta pelo Modelo dos Três Anéis, o Modelo Triádico de Enriquecimento Escolar, Operação Houndstooth e as Funções Executivas.
Nossa metodologia de identificação e acompanhamento permite que cada estudante seja reconhecido em sua singularidade. Não buscamos apenas identificar talentos, mas criar um ambiente onde eles possam florescer.
“Nossa metodologia de identificação e acompanhamento permite que cada estudante seja reconhecido em sua singularidade. Não buscamos apenas identificar talentos, mas criar um ambiente onde eles possam florescer. É um trabalho minucioso que envolve toda a comunidade escolar para garantir o pleno desenvolvimento desses estudantes”, destaca Hélvia Paranaguá, Secretária de Educação do DF.
Legislação e Políticas Públicas
O Atendimento Educacional Especializado (AEE) para estudantes com AH/SD no DF possui uma longa trajetória, iniciada nos anos 1970, quando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1971 mencionou, pela primeira vez, que os alunos superdotados deveriam receber tratamento especializado, abrindo caminho para políticas públicas direcionadas exclusivamente para esse público.
Desde então, o DF tem sido um precursor na implementação dessas políticas públicas, promovendo a formação de profissionais especializados para atender às necessidades específicas desse público e construindo um marco legal próprio, complementar ao produzido em âmbito nacional.
Em 1976, o serviço de AEE, que já era praticado na SEEDF, foi reestruturado, a partir da adesão à proposta do MEC, com a implantação dos Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/ Superdotação (NAAH/S) nas 26 unidades da federação e no DF. Desse modo esse serviço passou a ser denominado Atendimento Educacional Especializado ao Estudante com Altas Habilidades/Superdotação (AEE- AH/SD).
A partir dos anos 90, o modelo de integração iniciado nos anos 1970, em que o estudante era preparado para ingressar em uma classe comum, passou a ser substituído internacionalmente pelo processo de inclusão, no qual a própria instituição educacional deveria adaptar-se ao estudante.
Em 1994, a Política Nacional de Educação Especial introduziu o conceito de “altas habilidades ou superdotação” no Brasil. No mesmo ano, o país aderiu à Declaração de Salamanca, garantindo que alunos com altas habilidades também fossem beneficiados pelas políticas de educação inclusiva. Além disso, diversos instrumentos legais e políticas públicas em âmbito nacional garantiram o enriquecimento curricular aos estudantes com altas habilidades, a aceleração de aprendizagem, o direito ao atendimento educacional especializado gratuito, e a identificação, o cadastramento e o atendimento, na educação básica e na educação superior, de alunos com altas habilidades ou superdotação.
Desde os anos 70 o DF tem sido um precursor na implementação de políticas públicas, promovendo a formação de profissionais especializados para atender às necessidades específicas da pessoa com Altas Habilidades/Superdotação.
No âmbito distrital, a partir do final dos anos 1990, o DF construiu um arcabouço legal próprio para garantir os direitos dos alunos com AH/SD. Um marco importante foi a Lei nº 2.352/1999 que prevê que alunos com altas habilidades terão atendimento especial na rede pública de ensino do DF, além de acompanhamento psicológico e orientação específica aos pais e outros benefícios.
Em 2005, a SEEDF criou um projeto precursor no País, no qual os alunos com AH/SD passaram a ser atendidos em salas de recursos específicas, e não nas salas de recursos generalistas ou multifuncionais que atendem ao mesmo tempo, alunos com surdez, cegueira, transtornos, deficiências e altas habilidades, como ocorre atualmente nos demais estados da federação.
Essas salas de recursos específicas são espaços pedagógicos conduzidos por equipes especializadas que atendem estudantes com AH/SD de 4 a 17 anos das unidades públicas e da rede privada, sendo 70% das vagas para a rede pública e 30% para as escolas particulares. As atividades ocorrem uma vez por semana, no contraturno escolar.
Outro avanço significativo foi a possibilidade de aceleração de estudos para alunos com AH/SD, sempre considerando aspectos como maturidade socioemocional e opinião da família que foi introduzida em 2014, pela Lei nº 5.372 e seu decreto regulamentador. Ademais, a criação do Dia da Pessoa com AH/SD em 2016 e do Dia do Profissional de AH/SD em 2021 foram importantes não só para dar visibilidade à questão, quanto para valorizar os profissionais envolvidos no atendimento desses estudantes.
A Resolução CEDF nº 1/2017, por sua vez, permitiu maior flexibilidade na organização curricular para esses estudantes. E, mais recentemente, em 2023, foi criada a Frente em Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente com AH/SD na Câmara Legislativa do DF que se reúne semestralmente para reforçar a identificação das principais demandas dessa parcela da população do DF e contribuir para dar visibilidade essas crianças e jovens
Atualmente, tramita na Câmara Legislativa, projeto que institui as diretrizes específicas e os instrumentos de incentivos destinados ao desenvolvimento dos estudantes com AH/SD da rede pública e privada de ensino. A parlamentar Paula Belmonte, autora do projeto, ressalta que “entre outras metas, esse projeto pretende impulsionar as oportunidades para a formação continuada dos professores e gestores da área de educação, além de promover conhecimento, habilidades, motivação e engajamento desses profissionais, visto que, nem todos os professores possuem qualificação profissional para identificar e trabalhar de forma adequada com esses estudantes”.
Da primeira sala de recursos, nos anos 1970, até a história inspiradora de Lorrane Tintino – ex-aluna que hoje é professora de matemática – mostramos como o atendimento especializado a estudantes com altas habilidades pode transformar vidas. Com uma legislação em constante aperfeiçoamento e profissionais especializados, a Capital Federal mantém sua posição pioneira na educação inclusiva.
Na próxima reportagem desta série especial, você conhecerá em detalhes como funciona o Atendimento Especializado a Alunos com Altas Habilidades na Rede Pública do DF, desde o processo de identificação até o desenvolvimento de projetos nas salas de recursos. Acompanhe!