A produção audiovisual feita por indígenas no país tem ganhado visibilidade por meio das iniciativas do Ministério da Cultura (MinC). No Mato Grosso do Sul, dois curtas-metragens em fase de pós-produção, ambos realizados com recursos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura, mostram aspectos da realidade contemporânea dos povos originários, do dia a dia de mulheres em áreas de vulnerabilidade em um grande centro urbano às vivências de jovens indígenas LGBTQIAPN+.
O filme Mapago, que significa “onça-pintada” na língua Guató, busca mostrar a rotina de mulheres da etnia, na periferia da principal cidade do estado. “Campo Grande é a capital que mais tem indígenas no Brasil. Muitos deles vivem marginalizados, mas nunca deixarão de ser indígenas. Nós, Guató, somos a mesma coisa. O nosso território é Guadakan, que quer dizer Pantanal. Muitas mulheres foram para a cidade atrás de oportunidades, e mesmo assim carregaram a sua ancestralidade. O indígena não é só considerado indígena se ele estiver na mata. Não vamos folclorizar, nem estereotipar. Essa é uma realidade e ela precisa ser mostrada”, destaca a produtora executiva e roteirista, ao lado do diretor Marcus Teles, Gleycielli Nonato Guató.
O projeto nasceu da necessidade de falar das mulheres de sua família, do núcleo Guató de Coxim, município localizado no Norte do Mato Grosso do Sul.“Apesar de ser uma cidade pequena, eu sou uma indígena de contexto urbano. O filme apresenta uma família que mora na periferia e está afastada da forma tradicional de ser indígena. A personagem principal é evangélica, enquanto a filha é funkeira. Ambas carregam a força de Mapago. O filme lembra que nós, mulheres indígenas, nunca deixamos de ser Guató. A nossa ancestralidade é mais forte e ela sempre vai vir à tona”, observa ela, que interpreta uma das protagonistas.
A atriz e cantora Guató Serena MC leva sua vivência para a ficção com a personagem e chama a atenção para a temática do curta. “A Serena no filme é uma artista periférica assim como eu, que usa a arte para se expressar e ser feliz. Uma grande porcentagem dos indígenas do país está nas áreas urbanas, muitos não sabem suas etnias e outros nem como começar a retomada identitária, e os que estão nas aldeias sofrem diariamente ataques violentos e a invasão de suas terras. É necessário que o Brasil olhe para o filme não só como uma obra de ficção, mas como um pedido de socorro e alerta, que se não formos reconhecidos o apagamento vai causar a nossa extinção”, enfatiza.
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Recurso
Mapago foi contemplado com R$ 100 mil da Política Nacional Aldir Blanc, por meio de edital estadual. Gleycielli ressalta o impacto das políticas públicas no cinema feito pelos povos originários. “O projeto foi desenvolvido para participar do edital. Sem o recurso não seria possível fazê-lo. Hoje nós temos vários filmes de importância para a cultura indígena sendo realizados no Mato Grosso do Sul, todos graças à Aldir Blanc. Não creio que isso seja um fenômeno, porque eles vêm e acabam. Vejo como uma alavanca, porque muitas pessoas estão aparecendo agora com seus trabalhos devido às políticas públicas e as leis de fomento. E isso é importantíssimo”, frisa a produtora, atriz e roteirista.
LGBTQIAPN+
Com elenco 100% indígena, o curta Hendy’a Rapykwere, também assinado pelo diretor Marcus Teles, aborda a luta e a espiritualidade de jovens LGBTQIAPN+. A produção une ficção, documentário e realismo fantástico para acompanhar os passos de Gualoy KG, de 20 anos, liderança Guarani Kaiowá e referência na luta pela diversidade sexual e de gênero em comunidades.
“Nós fizemos esse filme para mostrar o que é ser LGBTQIAPN+ indígena Guarani Kaiowá. Somente quem é da etnia e atua no audiovisual vai apresentar essa realidade. A ferramenta é muito poderosa. A filmagem é a nossa luta e a câmera o nosso arco e flecha”, compara a roteirista e produtora Michele Kaiowá.
Ela salienta que os povos originários ainda são vítimas de preconceito. “O Brasil quer proibir os indígenas de muitas coisas, mas nós lutamos pelos nossos direitos. O LGBTQIAPN+ tem o direito de ser feliz, amar e ser amado do jeito que é”, observa.
Com locações em território de retomada na região de Douradina e na maior aldeia urbana do Brasil, Jaguapiru, em Dourados, o filme também recebeu R$ 100 mil da Política Nacional Aldir Blanc, por meio de edital estadual, para ser concretizado. “A Aldir Blanc é muito importante não apenas para os Guarani Kaiowá. Graças a ela nós poderemos exibir o filme pelo Brasil e expor a situação do nosso povo. Essa política pública serve ainda para mostrar que existem cineastas indígenas”, adianta.
Para a secretária do Audiovisual, Joelma Gonzaga, a Aldir Blanc tem possibilitado que mais realizadores indígenas acessem políticas públicas de forma estruturada e contínua. “Quando esses filmes chegam ao público, ampliamos não apenas a visibilidade, mas a compreensão sobre a potência criativa e a diversidade dos povos indígenas brasileiros. O audiovisual feito por indígenas reafirma o compromisso do Ministério da Cultura com a promoção de direitos, com a democratização do acesso e com a construção de narrativas que representam o Brasil real”, ressalta.
O assistente de som Luan Iturve, que trabalhou em Mapago e Hendy’a Rapykwere, realça a questão da acessibilidade. “A Política Nacional Aldir Blanc garantiu inclusive o apoio para a estrutura do cinema indígena, com equipamentos, logística e conhecimentos que foram compartilhados entre os técnicos. E à narrativa do olhar de indígena para contar a sua história. É uma política pública necessária, que traz a inclusão dos produtores, dos agentes culturais indígenas, para o audiovisual”, analisa.
Fonte: Ministério da Cultura

