Com um olhar humanizado, valorizando o diálogo e a cultura de paz, a Justiça Restaurativa vem sendo uma importante aliada de municípios gaúchos na prevenção de conflitos e na abordagem de temas como superação de traumas e fortalecimento de laços nas escolas.
No Rio Grande do Sul, de acordo com dados do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (NUPEMEC/TJRS), a metodologia já está encampada às políticas de 28 cidades.
Caxias do Sul
A maior Comarca do Interior gaúcho é também a pioneira na implantação da Justiça Restaurativa enquanto política pública municipal. Por lá, o Programa Municipal de Pacificação Restaurativa foi criado em 2014 (Lei Municipal 7.754/14), sendo o primeiro do Rio Grande do Sul.
Hoje desembargador do TJRS, o então juiz da Infância e Juventude Leoberto Narciso Brancher foi o responsável por este desfecho. “Lá no início, era a semente de uma concepção de Justiça fora das paredes do Judiciário, de levar para as comunidades. Hoje são 89 cidades no país que trabalham a Justiça Restaurativa. Isso mostra o significado do trabalho iniciado aqui”, considera o magistrado, que coordena o Núcleo de Justiça Restaurativa do NUPEMEC/TJRS.
Com a política já implantada há quase uma década, hoje três centrais atuam de forma integrada com o Município e o Judiciário (Central de Pacificação Restaurativa da Infância e Juventude, Central Judicial de Pacificação Restaurativa e Central de Pacificação Restaurativa Comunitária). O Coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) Regional de Caxias, juiz Clóvis Moacyr Mattana Ramos, exalta a importância de dar continuidade às ações, tornando-as mais efetivas. “O mais importante é isso, para que tenha uma sequência assentada na legislação. Aqui em Caxias, essa política funciona super bem. Estamos centrando as atividades nas escolas”.
Na semana passada, dias 16 e 17/11, foi realizada a IX Semana da Justiça Restaurativa em Caxias do Sul, uma parceria entre Prefeitura, CEJUSC e Universidade de Caxias do Sul (UCS). No evento, houve a formatura de cinco turmas de facilitadores da Secretaria da Educação, da Fundação de Assistência Social (FAS) e da Guarda Municipal. O juiz Clóvis foi o paraninfo das turmas. “É um novo olhar que modifica o sistema, fundamentado na compreensão e na cura. Buscamos curar feridas e restaurar relações”, afirma.
Pelotas
A aplicação da Justiça Restaurativa na Comarca de Pelotas faz a diferença na evolução da pacificação local. Há uma década, os círculos de paz vêm sendo aplicados em diversas áreas. Em 2017, foi implantado o Pacto Pelotas pela Paz, que tem a JR como um dos seus eixos.
A metodologia é uma aliada da rede de ensino, através de um Termo de Cooperação firmado entre o Município e o Judiciário local. O Coordenador do CEJUSC, juiz Marcelo Malizia Cabral, conta que as primeiras atuações foram pontuais, envolvendo conflitos escolares tais como bullying e agressões. “Com o tempo, as escolas foram vendo a potência dos círculos para restabelecer as relações. Os círculos são ambientes de escuta, em que as pessoas podem falar dos seus sentimentos com segurança, pedir perdão, rever seu comportamento e restaurar as relações”, ressalta o magistrado.
Hoje, Pelotas conta com 200 Facilitadores em Justiça Restaurativa e quase todas as 94 escolas do município têm um profissional habilitado. “São escolas com mais harmonia, menos conflitos. Há muitos anos não vemos casos graves de violência nas escolas, graças a essa política que ensina as pessoas a conviver, que reforça os valores humanos, as relações, o respeito, a empatia, o perdão, a compaixão”, avalia Malizia.
A Coordenadora da Justiça Restaurativa na Secretaria de Educação e Desporto (Smed) de Pelotas, Jussara Cruz, é também a primeira instrutora formada pelo município. Ela conta que em 2023 já foram realizados cerca de 200 círculos, envolvendo em torno de 3 mil pessoas. A instrutora agora está aplicando o método na educação infantil, com crianças de 4 anos. Em rodas de conversas, são trabalhadas questões como amizade, respeito, responsabilidades e autocontrole. Além disso, há também círculos com mães de alunos autistas e um trabalho voltado para abordagem do tema da violência doméstica com estudantes adolescentes.
Guaíba
Guaíba também é um bom exemplo de como a parceria entre Judiciário e Município pode dar certo. Neste ano, foi aprovado o Pacto Guaíba pela Paz, criando um programa voltado a prevenir e reduzir a violência, que tem, entre seus eixos, a aplicação da Justiça Restaurativa.
A iniciativa é fruto de uma semente que começou a ser plantada anos antes, conforme relata a Assistente Social Judiciária Maiz Ramos Junqueira. “Em 2014 tivemos a primeira formação de JR em Guaíba para 60 professoras e professores, promovida pela Secretaria Municipal de Educação. No ano seguinte, 2015, iniciamos a implantação de um projeto piloto no Juizado Especial Criminal. As ações, contudo, foram sendo migradas para a Educação, especialmente para as escolas municipais”, lembra a servidora do Judiciário.
“Ainda estamos em processo de consolidação do trabalho. É possível afirmar, contudo, que a realização dos círculos de construção de paz nas escolas contribui para o fortalecimento das equipes, para a construção de espaços de acolhimento nas escolas e democratização das relações”, ressalta.
Hoje, a Secretaria de Educação local conta com o Núcleo Justiça Restaurativa na Educação, composto por profissionais da Secretaria Municipal da Educação (orientadoras educacionais e assistentes sociais), pela Assistente Social do Judiciário e voluntárias. São realizadas reuniões sistemáticas para estudo e planejamento das ações.
Para Maiz, o Pacto Guaíba pela Paz foi a maior conquista do grupo neste ano. “A JR pressupõe interdisciplinaridade, intersetorialidade e trabalho coletivo. Nossa caminhada tem proporcionado às participantes grandes aprendizados e contribuído para a disseminação dos valores e princípios que regem a JR, especialmente o respeito, a equidade, a alteridade, a escuta, a empatia e a participação”.
Também são realizados círculos de fortalecimento de vínculos, estudos e conflitivos. “Ainda estamos em processo muito inicial, ainda necessitamos estar apresentando e vivenciando junto as pessoas para convencê-las do poder que existe dentro do círculo, mas acredito muito nesta metodologia. Estamos em constante estudo e formação, buscando estarmos preparadas, para um atendimento de qualidade, auxiliando nas relações humanas e zelando pelo desenvolvimento saudável das pessoas”, ressalta Elena Silveira, que integra o grupo Guaíba pela Paz.
No mês de novembro, o Município de Guaíba, na Região Metropolitana de Porto Alegre, realizou o II Seminário sobre Segurança Educacional, onde o tema foi abordado.
Fonte: TJRS
Fonte: Portal CNJ