Para celebrar 36 anos de existência e comemorar a nova sede, a Fundação Cultural Palmares (FCP) tem programação especial nesta semana. O seminário Afirmação e Presença Negra na Gestão Cultural abriu as comemorações nesta quarta (21) e contou com a participação do Ministério da Cultura (MinC) para debater a importância de pessoas negras na gestão pública.
No salão do prédio que será inaugurado amanhã, o presidente da Fundação, João Jorge, pontuou o obscurantismo da última gestão. E falou sobre o simbolismo de ter agora uma sede própria, localizada no centro de Brasília.
“O meu sonho é acabar com essa coisa de porão para o movimento negro. O tempo é o do presente e o do futuro, não é do passado. É daqui para frente. Esse é o tempo da Fundação Palmares. Porque a luta antirracista não é de um homem, não é de um governo, não é de uma época. É muito maior que isso”, declarou.
Ao lado dele, a secretária dos Comitês de Cultura (SCC) do MinC, Roberta Martins, integrou a primeira mesa do seminário: Gestores Negros e as Políticas Afirmativas no âmbito do Sistema Nacional de Cultura (SNC). Ela classificou o momento como “uma oportunidade histórica de construir políticas estruturantes” para o Brasil. E lembrou a necessidade de ter a promoção da igualdade racial como elemento basilar.
“O nosso lugar como gestores negros é dizer que as políticas de igualdade racial, sejam de cultura, de saúde, de educação, são uma proposição de projeto para o país. É disso que se trata quando se discute políticas públicas para pessoas negras no Brasil. Não estamos falando só de quantidade de pessoas negras como dirigentes, não estamos falando apenas de cotas, estamos falando que um projeto de país tem que ter a defesa de políticas que afirmam a igualdade racial e a igualdade de oportunidades para todos nós”, declarou.
Integração e representatividade
A necessidade de integrar as políticas culturais com o debate de igualdade racial foi ressaltada por todos os participantes do painel. O entendimento é de que, nesse momento de implementação do SNC e do Programa Nacional dos Comitês de Cultura (PNCC), os gestores públicos precisam pautar os dois assuntos de maneira conjunta, como explicou o secretário do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR) do Ministério da Igualdade Racial, Yuri Silva.
“Precisamos aproveitar a potência dessa política pública, que são os comitês de cultura, para que a gente possa mobilizar, nos estados e nos municípios, uma transversalidade que possibilite o avanço na criação de conselhos municipais de cultura e também de igualdade racial. Para que a gente possa realizar um processo amplo de qualificação de gestores e gestoras, tanto de políticas de promoção de igualdade racial, quanto de políticas de cultura. Só é possível avançar conjuntamente nessas duas políticas”, informou.
O diretor do Sistema Nacional de Cultura (DSNC) no MinC, Junior Afro, lembrou que os sistemas integrados precisam ser também representativos. “A gente está falando dessa presença potente de pessoas negras na gestão pública, com a sua estética, mas também com a sua história, com o seu modo de fazer, com o que traz da sua vida comunitária, desses aspectos culturais vinculados aos territórios. A gente precisa levar isso para além do Ministério da Cultura, precisa ter nos estados e nos municípios, para fazer a sociedade, o setor cultural, os que definem a política pública de cultura pensarem na força que tem essa presença”, declarou.
Mais Diálogos
No período da tarde, a mesa Intervenções Negras nos Conselhos de Políticas Culturais, Colegiados e Coletivos de Construções de Políticas, foi mediada por Luci Souza, coordenadora dos Colegiados Setoriais de Cultura do MinC. Cláudia Maciel, representante do Comitê de Cultura do Distrito Federal, destacou a importância dessas instâncias para o fortalecimento da cultura Hip-Hop e a necessidade de diálogo e articulação política para garantir o reconhecimento desse movimento cultural. “É fundamental dialogar com o governo. Precisamos de orçamento, memória e oportunidades para construir museus que preservem a história do Hip-Hop”, afirmou.
Ela enfatizou que a linguagem é também o break, o grafite, o DJ e o conhecimento, e que a articulação política é fundamental para que a gestão pública alcance as comunidades onde surgiu a cultura. Além disso, a ativista cultural abordou a influência feminina, reforçando a importância de incluir todas as vozes na construção e preservação da expressão.
Pedro Neto, consultor da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) e diretor de Promoção das Culturas Populares da Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural (SCDC) do MinC, destacou o papel central do Colegiado Setorial de Cultura Afro-Brasileira nas políticas culturais. “A partir do Colegiado, conseguimos pautar o debate sobre o racismo em todas as reuniões do conselho entre 2013 e 2014”, comentou ao falar das ações implementadas naquele período.
Ele também ressaltou a importância do Plano Setorial Nacional para as Culturas Afro-Brasileiras, afirmando que essas iniciativas foram essenciais para fortalecer as políticas públicas voltadas à valorização e preservação das culturas afro-brasileiras.
Em seguida, a mesa Experiências de Resultados das Ações Afirmativas na Lei Paulo Gustavo (LPG) reuniu representantes de diversas regiões do Brasil. Participaram Amanda Cunha, da Secretaria de Cultura da Bahia; Iara Nunes, secretária de Cultura de Goiás; e Giane Elisa, diretora-geral da Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage, com mediação de Nelson Mendes, diretor de Fomento da Fundação Cultural Palmares.
“Estamos conseguindo levar formação para todo o estado. Isso é fundamental para descentralizar os recursos e alcançar o interior, onde as políticas culturais têm mais dificuldade de chegar”, afirmou Iara Nunes. Ela também discutiu os desafios e conquistas relacionados à aplicação da Lei Paulo Gustavo. “Enfrentamos desafios, mas conseguimos expandir os investimentos para além da capital, alcançando projetos variados, como os da cultura Hip Hop, no interior do estado. Queremos ver mais projetos surgindo nessas áreas, especialmente aqueles liderados por mulheres”, concluiu.
Amanda Cunha apresentou dados sobre a implementação da LPG na Bahia, destacando os resultados obtidos. “A lei tem sido um marco na territorialização dos recursos; 77% dos projetos estão concentrados no interior do estado. Isso é uma grande vitória, principalmente pelo perfil das pessoas que agora têm acesso ao financiamento cultural”, destacou. Ela também mencionou que esse novo mapeamento cultural da Bahia está sendo utilizado como metodologia para a aplicação de outras políticas. “Existe cinema em todo o estado da Bahia, desde que o recurso chegue às mãos certas”, complementou.
Giane Elisa, por sua vez, ressaltou sua trajetória como gestora em Juiz de Fora, Minas Gerais. Ela destacou os avanços conquistados com a aplicação da Lei municipal Murilo Mendes, que destina aos artistas e produtores culturais juiz-foranos o financiamento para a criação e execução de produtos culturais a partir da divisão dos recursos do Fundo Municipal de Incentivo à Cultura (Fumic).
“Juiz de Fora foi pioneira ao passar o dinheiro diretamente para as mãos dos artistas, mas percebemos que os territórios periféricos e as mulheres não estavam sendo contemplados. Com a criação de editais voltados para minorias, como mulheres trans e moradores da periferia, houve uma transformação significativa. Quando oferecemos oportunidades, mudamos a estrutura e o modo de pensar sobre cultura. Ver pessoas que se identificam ganhando editais, como o de audiovisual, faz com que outras acreditem que também são capazes”, finalizou.
O seminário terminou com a apresentação do espetáculo Alagbedé Orun, do grupo cultural Obará, inspirado nas histórias e lendas de Ogum, um dos deuses mais poderosos da mitologia iorubá, conhecido como o portador do ferro e do fogo, com o poder de abrir caminhos e guiar as forças da natureza. O som dos atabaques e tambores, e a representação do panteão de deuses da mitologia iorubá, serviram como pano de fundo para a trama repleta de coreografias, inspiradas na cultura dos terreiros, nas rodas de capoeira, e nos jogos e rodas de samba. O espetáculo foi dirigido por George Ângelo dos Santos, com coreografias de José Calixto (Caé) e Jairo Oliveira.
Fonte: Ministério da Cultura